I. Problemática do tema
Pesquisar sobre o Rito Adonhiramita
é defrontar-se com uma montanha de opiniões, teorias e idéias
cristalizadas que, em geral, correspondem-se muito pouco com a
realidade histórica dos fatos. Escrever sobre ele requer a
disposição necessária para enfrentar a oposição dos que, de uma
forma ou de outra, sentem-se mais confortáveis com a
mistificação e com a lenda, em prejuízo dos fatos e da história
documentada.
Desde a década de 1970 se criou uma impressão de que o Rito
seria místico em demasia, que traria idéias muito diferentes de
outros ritos ou até, absurdamente, que seria, por essas tantas
diferenças, um rito “irregular”.
As fontes oficiais, ou seja, os rituais e os documentos
expedidos pelas instituições do Rito, não são rigorosas com os
métodos de pesquisa histórica, o que leva a um emaranhado de
informações não verificáveis e oriundas de fontes sem isenção ou
sem valor para a pesquisa dos fatos originais.
Uma rápida pesquisa pela internet revela uma verdadeira montanha
de relatos e resumos, um mais inexato e fantasioso que o outro.
Pretendemos com esse artigo fornecer pistas de pesquisa e
elementos básicos para que o pesquisador maçônico possa guiar-se
e desenvolver desdobramentos fiáveis sobre o Rito
Adonhiramita, longe das
invenções e das teorias sem base que abundam sobre ele. II. Origens do Rito
Adonhiramita II.1. O contexto histórico: A França Maçônica
do século XVIII
O Rito
Adonhiramita é filho da
Maçonaria francesa. Para compreender suas origens é necessário
compreender como se desenvolve a Maçonaria Francesa no século
XVIII.
Na França a Franco-Maçonaria
obediencial, ou
seja, regulamentada por um sistema institucionalizado, foi
implantada por volta de 1725, através de imigrantes ingleses
exilados por razões políticas ou religiosas. Em Paris é notável
o número deles e sua origem, em geral, é Londres. Junto com suas
bagagens trazem os costumes e procedimentos maçônicos utilizados
na capital inglesa daquela época, da primeira Grande Loja de
1717. Esses primeiros costumes sofrerão significativas mudanças
em pouco tempo.
Na Inglaterra, a partir de 1725, com o desenvolvimento do Grau
de Mestre, começam a se desenvolver os Graus de Aperfeiçoamento.
Muitas Lojas os praticam e não havia nenhum regulamento em
relação a eles. Os mais antigos fazem referência à lenda do
terceiro grau e ao espírito cavalheiresco.
Obviamente que, com o trânsito de maçons entre Londres e Paris,
esses desenvolvimentos, em pouco tempo, estarão em uso no
território francês.
Em 1730, a Grande Loja de Londres introduz inovações em seus
procedimentos litúrgicos como reação ao tristemente célebre
“Masonry Dissected”
de Samuel Pritchard,
que seria traduzido e reeditado na França em 1745 como “L’Ordre
des
Francs-Maçons
trahi”.
Com o sucesso de vendas da obra de
Pritchard, e com a lenda de que os
franco-maçons se ajudam
financeiramente, de que nenhum maçom é deixado na penúria, de
que sendo maçom a vida se torna mais fácil, há verdadeira
corrida de uma horda de profanos que, tendo se apoderado dos
segredos ritualísticos das Lojas através da citada obra,
apresentam-se às Lojas como maçons...
As modificações introduzidas pela Grande Loja de Londres,
visando identificar os falsos maçons produzidos pela obra de
Pritchard são,
basicamente, a inversão do pé da marcha, a inversão das Colunas
dos Aprendizes e Companheiros, a mudança das palavras e a
introdução de uma palavra de passe no Grau de Aprendiz.
Em 1728 estava organizada a primeira instituição maçônica na
França, a “Grande Loja da França”. Em 1735, a Grande Loja da
França solicita da Grande Loja de Londres a autorização
necessária para tornar-se uma Grande Loja provincial, o que foi
negado. Em 1743, a autorização foi dada e uma instituição foi
constituída com o nome de “Grande Loja Inglesa da França”. Essa
mesma instituição, em 1773, mudaria seu nome para “Grande
Oriente da França”.
Os rituais transplantados de Londres a Paris são, obviamente, os
já modificados 13 anos antes, ou seja, com as Colunas
invertidas, a mudança das palavras, o pé direito iniciando a
marcha e a Palavra de Passe no Grau de Aprendiz.
As Lojas francesas praticavam tanto os 3 Graus Fundamentais
(Aprendiz, Companheiro e Mestre), quanto os Graus de
Aperfeiçoamento. Com o passar do tempo, quase em cada província
francesa haverá um sistema diferente. A criação de sistemas
ritualísticos como a “Reau-Croix”,
conhecida como “Ordem dos Sacerdotes Eleitos do Universo” (Elus
Cohen) na década de 1740, a Estrita Observância
Templária (de origem alemã)
e o sistema conhecido como “Rito de Perfeição de
Heredom” (1758), originado
com o discurso de Ramsay
em 1738, que misturavam pretensões políticas, valores
cavalheirescos e temas alquímicos, herméticos e esotéricos,
produziram o caldo cultural necessário para uma verdadeira
explosão de Graus Maçônicos. II.2. Adonhiram
A Constituição da Grande Loja de Londres, dita “de Anderson”,
cita Adonhiram como o chefe dos trabalhadores na Montanhas do
Líbano, em numero de 30.000, que se revezavam com os sidônios
(p.10).
Na obra de Samuel Pritchard, na parte relativa ao Grau de
Mestre, aparece o nome de Hiram e não Adonhiram.
Há alguma hipóteses plausíveis para a utilização do nome
“Adonhiram” em substituição a Hiram.
Alguns rituais franceses do século XVIII, como o reproduzido no
“Le Régulateur du Maçon - 1785/1801”, falam de Hiram como aquele
a quem Salomão deu a autoridade sobre todos os obreiros a saber:
30.000 homens destinados a cortar os cedros do Líbano, 70.000
aprendizes, 80.000 Companheiros e 3300 mestres.
Fica fácil perceber aqui a causa da confusão. Se Anderson fala
que os 30.000 trabalhadores das Montanhas do Líbano estavam sob
as ordens de Adonhiram, e os rituais falam que esses mesmos
30.000 homens, destinados a cortar os cedros do Líbano, estavam
sob as ordens de Hiram, então, Hiram e Adonhiram devem ser o
mesmo personagem. Só que a Constituição de Anderson, na
sequência, fala que Hiram, Rei de Tiro, enviou seu homônimo “o
Maçom mais completo sobre a Terra”, Hiram ou Huram. (“But above
all, He sent his namesake Hiram, or Huram, the most accomplish’d
Mason upon Earth”.)
Em 1744 foi publicado o “Catechisme de Franc Maçons ou Le Secret
Des Franc Maçons” (Catecismo dos Franco-Maçons ou O segredo dos
Franco-Maçons), escrito por Louis Travenol que, utilizando o
pseudônimo de Leonard Gabanon, denominava “Adonhiram” ao
arquiteto chefe das obras do Templo de Salomão, o qual comumente
é denominado, nos dias de hoje, apenas de Hiram.
Cabe frisar que em outros rituais franceses do período aparece
também o nome Adonhiram e, inclusive, continua aparecendo em
rituais do Rito Moderno de 1788 (Recueil des Trois Premiers
Grades de La Maçonnerie – Apprenti, Compagnon, Maitre au Rite
Français – 1788). Ou seja, não é uma particularidade da obra de
Louis Travenol e nem uma “irregularidade” do Rito. Trata-se de
algo bastante generalizado na Maçonaria Francesa do século
XVIII.
A mim, como pesquisador maçônico, parece que houve alguma
confusão entre os personagens bíblicos Adoniram, que era chefe
dos trabalhados forçados para a construção do Templo (2Sm.20,24;
1Rs.5,14) e que acabou sendo morto a pedradas pela revoltada
população (1 Rs. 12,18), e Hiram Abif, filho de uma viúva da
tribo de Naftali e de um cidadão de Tiro, que era hábil no
trabalho com bronze (1Rs. 7, 13-22) e com muitos outros
materiais (2Cr. 2, 13-14). Essa confusão pode ter sido aumentada
e reafirmada pela prática de alguns Altos Graus onde a figura de
Adonhiram reaparece.
A explicação de que se trataria da utilização do pronome de
tratamento hebraico “Adoni” (senhor) antes do nome próprio
“Hiram”, não parece muito plausível, tendo em vista que em
nenhum outro local da Bíblia se vê esse tipo de utilização.
Adonías, por exemplo, quarto filho do Rei Davi, citado nos
livros de Reis e Samuel, não era o “Senhor Onías”. II.3. A normatização dos Graus na Maçonaria
Francesa e a “Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita”
Ao longo de quase 50 anos, como podemos ver, os Graus e sistemas
se multiplicavam ao ponto de um mesmo Grau ter dezenas de
versões diferentes e variações importantes nas palavras de
reconhecimento.
Em 1773, devido ao caos instalado pela enormidade de graus
praticados sem qualquer regulação, o Grande Oriente da França,
tentando introduzir alguma uniformidade nesse emaranhado, cria
uma comissão dos Altos Graus que permanecerá com uma atividade
bastante modesta até 1782, quando será criada a Câmara dos
Graus.
Em 1780, como reação à publicação do “Catechism de Franc
Maçons”, mais uma obra medíocre das tantas que abundavam (e
ainda abundam), que desagradou profundamente a um grande
estudioso maçonólogo da época, Louis Guillemain de Saint Victor,
este preparou um estudo contendo pesquisas relativas aos
mistérios da Antigüidade, e lançou dois anos depois a “Recueil
Precieux de La Maçonnerie Adonhiramite” (Compilação Preciosa da
Maçonaria Adonhiramita). A parte publicada em 1782 abrangia 4
graus, ou seja, Aprendiz, Companheiro, Mestre e Mestre Perfeito.
Em 1785 ele lança uma segunda parte onde outros graus eram
tratados. Eram eles:
- Primeiro Eleito ou Eleito dos Nove;
- Segundo Eleito ou Eleito de Perignam;
- Terceiro Eleito ou Eleito dos Quinze;
- Aprendiz Escocês ou Pequeno Arquiteto;
- Companheiro Escocês ou Grande Arquiteto;
- Mestre Escocês;
- Cavaleiro da Espada ou Cavaleiro do Oriente ou da Águia;
- Cavaleiro Rosa-Cruz.
Ao final dessa edição, constava também a tradução do alemão de
um grau denominado “Noaquita ou Cavaleiro Prussiano”, o qual era
atribuído a um autor maçônico denominado Bérage. Este “13º” foi
interpretado por alguns autores como o último grau da Maçonaria
Adonhiramita. No entanto, se bem analisado o contexto, fica
claro que não existe qualquer ligação entre os graus anteriores
e esse 13º grau. Além do mais o próprio autor, Louis Guillemain
de Saint Victor, afirmou que o grau de Cavaleiro Rosa-Cruz é o
ápice e o término de seu sistema.
O período em que Louis Guillemain de Saint Victor escreve é
extremamente significativo para a Maçonaria Francesa. Em 1° de
Fevereiro de 1782, mesmo ano em que foi lançada a primeira parte
da “Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita” ocorre a 121ª
assembléia do Grande Oriente da França, onde os irmãos
constituem a Câmara dos Graus que se reúne para debates em 19 de
fevereiro de 1782. Em 5 de março, o Irmão Orador Roëttier de
Montaleau, propõe o estudo de todos os graus existentes
praticados na França para que se faça uma síntese dos mais
importantes e se crie um sistema ordenado, que contemple toda a
filosofia maçônica.
Em 21 de fevereiro de 1783, a Câmara dos Graus apresentará o
resultado de uma pesquisa sobre 38 Altos Graus sem nenhum
resultado prático.
Em 2 de fevereiro de 1784 é publicada uma circular anunciando
que sete Lojas Capitulares Rosa-Cruz se associaram para formar o
Grande Capítulo Geral da França. Esse Capítulo Geral da França,
vai analisar nada menos de 81 Graus diferentes, onde se contavam
75 Altos Graus só entre os chamados “escoceses” e mais de 135
sistemas ou ritos. O Capítulo Geral tentará os resumir em 5
Ordens, que se tornarão, por assim dizer, o fundamento da
“ortodoxia maçônica” na França, que sintetizarão os elementos
fundamentais dos ensinamentos e a forma mais tradicional da
família de graus que ele representa.
Já na época de formação do Grande Capítulo Geral, depois de se
definir que todos os Graus estudados seriam resumidos em 4
Ordens, se estabeleceu uma 5ª Ordem, chamada de “Ilustre e
Perfeito Mestre” que seria o Grau Acadêmico e administrativo
destinado a conservar e estudar todos os graus e sistemas e que
também serviria para administrar o Grande Capítulo Geral.
Em 19 de março de 1784, é publicado o ritual da 1ª Ordem –
Eleito Secreto.
Em 18 de dezembro de 1784 é publicado o ritual da 2ª Ordem,
Escocês.
Em 19 de Maio de 1785 é publicado o ritual da 3ª Ordem,
Cavaleiro do Oriente.
No segundo semestre de 1785 se publica o ritual da 4ª Ordem,
Soberano Príncipe Rosa-Cruz.
O Grande Oriente da França e o Grande Capítulo Geral da França
entrariam em conflito diversas vezes, pelo fato de haver uma
certa confusão em relação à autoridade sobre os Graus e as
Lojas.